Nos últimos dias, auditores-fiscais da Receita Federal intensificaram as manifestações contra o corte de 51% no orçamento do órgão, o não pagamento de bônus salarial e a falta de concursos para recompor o quadro de servidores. Para pressionar o governo e chamar a atenção da opinião pública, os auditores-fiscais aumentaram a amostragem de remessas verificadas nos aeroportos e portos.
Com isso, as remessas expressas, que deveriam ser liberadas em até 24 horas, estão demorando de quatro a cinco dias para serem liberadas. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Internacional Expresso de Cargas (Abraec), o setor de transporte de carga expressa enfrenta aumento nos custos operacionais, porque precisam pagar as diárias das remessas que ficam estocadas nos armazéns da alfândega até a sua liberação.
“O acúmulo de cargas é grande, principalmente nos aeroportos de Viracopos e Guarulhos”, afirmou o diretor-executivo da Abraec, Vagner Battaglioli.
O GRU Airport, que administra o aeroporto de Guarulhos, e o RIOGaleão, que administra o aeroporto internacional do Rio, não comentaram e sugeriram falar com a Receita. O aeroporto de Viracopos não respondeu ao pedido de entrevista. A Receita informou que não vai comentar o assunto.
A Abraec já encaminhou cartas para o ministro da Economia, Paulo Guedes, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, para o secretário especial da Receita Federal, auditor-fiscal Julio Cesar Vieira Gomes, informando sobre as dificuldades enfrentada pelas empresas.
“A situação está insustentável. E a tendência é de os auditores fiscais aumentarem ainda mais o tempo para liberação de cargas. Isso afeta empresas de todos os setores”, afirmou Battaglioli. O Ministério da Economia não quis comentar o assunto.
No dia 8, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a legalidade do pagamento de bônus de eficiência e produtividade a servidores das carreiras tributária e aduaneira da Receita Federal e da Auditoria-Fiscal do Trabalho. O julgamento rejeitou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Falta o governo publicar um decreto validando o pagamento do bônus. Se isso acontecer, a mobilização dos auditores-fiscais pode ter um abrandamento.
Mas a mobilização não se resume à operação-padrão na alfândega. Foram registradas nas últimas semanas mobilizações de auditores fiscais em grandes aeroportos do país. Em outra frente, um grupo de aproximadamente 5 mil auditores fiscais se recusou a assumir cargos de chefia na Receita por causa das condições precárias de trabalho das equipes. O Ministério da Economia recusou a entrega dos cargos e centenas de auditores recorrem agora à Justiça para fazer valer sua decisão.
“A Receita Federal sofreu um corte orçamentário de R$ 1,2 bilhão. O orçamento atual é suficiente para funcionar por cinco meses. Com uma restrição desse tamanho, os gestores têm que desativar muitos projetos. É esse quadro que levou os servidores a entregar os cargos de chefia. A situação está ficando ingovernável”, afirmou o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), Isac Falcão.
Outro problema citado é a falta de concursos públicos para repor o número de servidores que se aposentaram ou deixaram seus cargos. Falcão disse que o número de servidores sofreu uma redução de 40% nos últimos anos.
O Sindifisco Nacional calcula que a redução de auditorias realizadas pela Receita pode causar um prejuízo anual de R$ 9 bilhões aos cofres públicos. O valor é relativo à recuperação de créditos indevidos. Em 2021, os auditores fiscais conseguiram impedir perda de R$ 22,4 bilhões para os cofres públicos com o pedido indevido de créditos fiscais pelas empresas.
Mas com número menor de servidores e orçamento reduzido tem havido queda no número de auditorias realizadas. Em janeiro, houve redução de 65,3% nas auditorias para verificar a validade dos créditos, causando uma redução de 40,6% nas glosas de créditos (anulação de créditos), em comparação com o mesmo mês de 2021. Segundo Falcão, se não houver mudança no cenário atual, o prejuízo no ano pode chegar aos R$ 9 bilhões.
Ainda de acordo com o sindicato, outros problemas decorrentes da falta de pessoal e da queda no orçamento devem se seguir, como a paralisação das análises de pedidos de habilitações de créditos provenientes de decisões judiciais e das antecipações de ressarcimentos.
Por Cibelle Bouças — De Belo Horizonte
21/03/2022
Fonte: Valor Econômico