Por um comércio exterior legal
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Foto: Portal da industria

 

As trocas comerciais entre os países podem atrair aqueles que, com o único objetivo de obter lucros elevados, procuram meios para burlar a leis aduaneiras, lesando o erário e a competitividade leal, que deve prevalecer em um livre mercado. Não pagar os tributos infelizmente é uma prática recorrente, para muitos importadores que vendem produtos com preço abaixo do mercado.

Tais desvios se dão de modo sofisticado. Para burlar os controles aduaneiros, aproveitam-se da complexa estrutura que rege a declaração de importação. São os casos da manipulação dolosa da classificação fiscal de produtos, através da Nomenclatura Comum do Mercosul, o que pode reduzir o valor do tributo devido na importação. Os produtos têm que obedecer a essa regra e o tributo de importação depende da correta adequação ao código existente. Uma pequena alteração pode resultar em um tributo bem menor, distorcendo assim os custos que impactam o preço final.

A imediata reativação do sistema de comércio exterior Siscori, da Receita Federal do Brasil, se impõe.

A identificação desses desvios, muitas vezes, é difícil para as autoridades aduaneiras, já que a multiplicidade de produtos e características muitos semelhantes podem, por vezes, confundir. Entretanto, as empresas que atuam no mercado conseguem identificar erros em tal classificação. Afinal, os contribuintes têm a obrigação de conhecer o seu mercado e, portanto, podem apontar equívocos, especialmente os dolosos de classificação fiscal.

Neste ponto, cooperação público-privada é essencial para compor as ações de fortalecimento da integridade e compliance. Na Europa, EUA e países da América Latina, os governos estimulam a atuação privada, já que os objetivos são convergentes: enquanto o Fisco tem a obrigação de coibir fraudes aduaneiras, os setores produtivos precisam combater a concorrência ilegal, que distorce todo o mercado.

No Brasil, até 2007, era muito difícil encontrar essa cooperação, pois a Receita Federal (RFB) não disponibilizava dados relativos às importações. Fomos testemunhas de muitos esforços, até que fosse permitido o acesso público às NCMs, a fim de facilitar a identificação de subfaturamento e a declaração fiscal errônea de concorrentes desleais, para as necessárias providências.

Em 2007, com a edição da Portaria SRF 306, atualizada com Portaria RFB 361/2016, foi permitido o acesso desses dados, através do sistema de comércio exterior da Receita Federal (Siscori), representando um grande avanço. Essa abertura viabilizou medidas corretivas, que resultaram em claro benefício para a arrecadação e ao aprimoramento de um mercado mais justo. A administração aduaneira passou a receber relatos mais precisos, podendo identificar mais facilmente os desvios, especialmente após a criação da atual Corad (Coordenação Especial de Gestão de Riscos Aduaneiros).

No entanto, na contramão desses avanços, no apagar das luzes do ano de 2021, em Dezembro, foi publicada a Portaria RFB 100/2021, determinando o desativamento do Siscori, sob justificativa (a nosso ver errônea) de que o Sistema Comex Stat contemplaria esses dados.

Tal justificativa de modo algum se sustenta. O Siscori se reveste de maior eficiência no monitoramento das importações brasileiras, tendo em vista o oportuno detalhamento que compõe a sua plataforma, diferenciando-o, substancialmente, do Sistema Comex Stat, que apresenta as informações com menos transparência. Como identificar, por exemplo, um ilícito comercial, como desvio de classificação tarifária ou de subfaturamento, em uma NCM que agrega materiais descritos como “outros” ou “partes e peças”? E nos casos de produtos que estão inseridos em uma única NCM, mas que as características dos produtos são fatores determinantes para a sua precificação?

Esse retrocesso, sem qualquer oportunidade de manifestação pela indústria nacional, impedirá o acesso à descrição completa do produto importado, seu preço unitário, suas características etc., informações essas fundamentais e não disponíveis em outros sistemas. A cooperação dos setores produtivos com o poder público, que vem sendo feita desde 2007, será interrompida, para alegria e lucro de quem pratica irregularidades na importação.

A abertura comercial deve ser incentivada, mas nunca fragilizada por artimanhas de espertos que violam a lei para obter vantagens. É inexplicável a extinção de uma ferramenta fundamental de monitoramento, que permite a correta identificação de indícios de práticas desleais de comércio internacional e as consequentes denúncias aos competentes órgãos governamentais de defesa comercial do país, como a própria RFB e a SDECOM, que atuam na prevalência dos interesses nacionais.

A competitividade dos nossos setores produtivos será duramente prejudicada, enfraquecendo os necessários mecanismos de controle, contrariando as melhores práticas internacionais. Estão sendo anulados avanços consolidados em 14 anos de experiência, que ampliaram a necessária transparência e controle aduaneiros.

A imediata reativação do sistema Siscori da RFB se impõe, para assegurar à indústria nacional o acesso às informações detalhadas das operações de comércio exterior brasileiro, promovendo sempre a defesa da legalidade em cooperação com as autoridades aduaneiras.

Não é possível que a defesa da lei seja prejudicada e os desvios de conduta facilitados. Precisamos avançar nos processos de integridade e não os renegar.

Edson Vismona e Márcio Gonçalves são advogados, respectivamente, presidente do Instituto Brasil Legal e do Instituto ETCO; e presidente do Instituto do Capital Intelectual, além de diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

 
 

Por Edson Vismona e Márcio Gonçalves

04/02/2022

Fonte: Valor Econômico

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