Câmbio tem primeiro ano sem intervenções do BC desde 1999
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Forte fluxo de entrada da moeda americana pelas exportações e menor volatilidade do real permitiram que autoridade não realizasse leilões
Por Arthur Cagliari — De São Paulo

O ambiente positivo construído ao longo do ano passado no câmbio doméstico se mostrou além da queda do dólar, que passou de R$ 5,27 para R$ 4,85 no período. Pela primeira vez desde 1999, o Banco Central (BC) não realizou intervenções no mercado por meio de novos leilões, diante da menor volatilidade do real e da apreciação gradual da moeda brasileira em 2023.
O Valor cruzou informações da base de dados sobre as atuações do BC no mercado de câmbio com os comunicados da autoridade monetária, que distinguem atuações novas daquelas que apenas rolaram instrumentos antigos. Os dados obtidos mostraram que não foram realizados novos leilões no mercado de câmbio no ano passado nem via contratos de swap cambial nem por meio de venda ou compra de dólares à vista. Além disso, o BC também não realizou novos leilões de linha (venda de dólares com compromisso de recompra).

Foi, portanto, a menor ingerência no câmbio pelo Banco Central desde que o regime de câmbio flutuante passou a ser adotado no país, em 1999. Nesse período, o BC historicamente fez intervenções em momentos de estresse e forte volatilidade da moeda brasileira.
“Apesar de ruídos sobre a política econômica brasileira no começo do ano [passado] e de um ambiente externo mais adverso entre agosto e outubro, a volatilidade do câmbio ficou bem menor que em outros anos”, diz o estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein, que já chefiou o Departamento de Mercado Aberto (Demab) do BC. “Não chegamos a ver um câmbio disfuncional para justificar intervenções.”
Em 2023, a autoridade monetária realizou duas rolagens de “linhas” no início do ano e, ao longo dos meses, conduziu as rolagens integrais de contratos de swap cambial. “Mas a rolagem é uma postura neutra do BC”, afirma Goldenstein. “Na verdade, se o BC estivesse fazendo uma rolagem parcial, aí sim estaria afetando o mercado de câmbio”, diz, acrescentando que a única intervenção da autoridade teria ocorrido não por novos leilões, mas por deixar as linhas roladas no começo do ano vencerem no primeiro semestre.

“Não chegamos a ver um câmbio disfuncional para justificar intervenções”
— Sérgio Goldenstein

No entanto, o que mais chamou a atenção de Goldenstein e de outros participantes do mercado foi a ausência de leilões de linha no fim do ano passado, especialmente em dezembro. Geralmente, por ser um período de saída de capital por remessas de multinacionais para as matrizes e também por pagamento de dividendos a investidores estrangeiros, a autoridade monetária costuma realizar ações pontuais no mercado com a oferta de linhas para conter possíveis excessos de volatilidade. Os leilões de linha não afetam a taxa de câmbio diretamente, mas sim o cupom cambial de curto prazo – derivativo que sintetiza o juro em dólar.
Questionado pela reportagem, o Banco Central disse não ter identificado nenhuma disfuncionalidade no mercado de câmbio que justificasse uma intervenção.
O que explicaria a não necessidade de leilões de linha no fim do ano seria um “alinhamento astral perfeito”, nas palavras do ex-diretor de política monetária do BC e sócio da Panamby Capital, Reinaldo Le Grazie. Além de o fluxo cambial ter ajudado, outros fatores que antes pesavam na volatilidade do câmbio agora não estão mais presentes. “O ‘overhedge’ cambial[proteção extra dos ativos em moeda estrangeira no exterior] dos bancos e a alavancagem de empresas brasileiras no exterior contribuíram para a desvalorização do real em 2021 e em2022. Sem esses pontos no último ano, observamos uma calmaria.”
Em relação ao fluxo cambial, Le Grazie menciona não apenas a entrada forte e expressiva de dólares via conta comercial, mas também o desempenho da conta financeira, que poderia ter sido pior caso o cenário externo (em especial as discussões sobre o juro americano) tivesse se deteriorado no fim do ano. “Tivemos alguma entrada de fluxo financeiro em novembro que ajudou nesse sentido”, diz.
Na mesma linha, Carlos Kawall, diretor da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, afirma que o ambiente externo e o Federal Reserve (Fed, banco central americano) com tom mais suave no fim do ano ajudaram o câmbio, mas foi o fluxo comercial o ponto-chave para segurar a volatilidade da moeda. “Tivemos guerras, quebra de bancos e alta de juros longos nos EUA. Tudo isso teria tido efeitos maiores no Brasil se não fosse a ancoragem do câmbio neste fluxo comercial mais pujante.”

Em 2023, o fluxo cambial ficou positivo em US$ 11,4 bilhões, segundo os dados do Banco Central, na maior entrada de capital no país desde 2012. Esse resultado derivou de uma entrada líquida de US$ 49 bilhões via conta comercial, enquanto a conta financeira registrou saída de US$ 37,6 bilhões.
Kawall lembra que, enquanto em 2022 o fluxo comercial ganhou mais robustez por conta da alta dos preços das commodities, no ano passado foi o volume das exportações o responsável pela magnitude da entrada de capital no país. “O fato é que agora estamos dando início a uma fase de superávit comercial um pouco mais estrutural, que não tem tanto a ver com o preço das commodities, mas, sim, com as quantidades exportadas. E isso vem tanto do agro quanto do petróleo”, afirma.
O ex-secretário do Tesouro diz, ainda, que o bom fluxo de capital entrando no país via conta comercial pode fazer com que, nos próximos anos, a particularidade de 2023 se repita e leilões de linha não se façam necessários no fim de cada ano. Além disso, Kawall avalia que os bancos podem deixar de ficar em uma posição vendida em dólar no mercado à vista para ficar em uma posição comprada.
“Se os bancos ficarem em posição comprada de dólar no mercado à vista, o BC pode eventualmente ofertar menos swap e/ou até comprar dólar ‘spot’. Não estou dizendo que isso vai acontecer porque é uma decisão de política cambial, mas é uma possibilidade”, afirma Kawall. A posição vendida dos bancos em dólar, segundo dados do BC, caiu gradativamente ao longo do ano passado até chegar a US$ 1,9 bilhão em novembro, menor nível desde agosto de2018.
O sócio e diretor de investimentos da Armor Capital, Alfredo Menezes, que já foi diretor da tesouraria do Bradesco, lembra que a posição dos bancos é derivada do fluxo real da economia, caso o Banco Central não intervenha no mercado. Como a autoridade monetária não fez interferências, a pequena posição vendida dos bancos no fim do ano foi resultado do forte fluxo de entrada no país, explica.
“Isso demonstra que poderemos ter espaço para um fortalecimento do real neste começo de ano, com meses mais calmos para o fluxo, porque é quando começa a crescer a exportação de grãos”, diz. “O mês de dezembro ter sido mais tranquilo, sem leilões de linha, sinalizou que o ponto de equilíbrio do dólar pode ser mais baixo.”

 

FONTE: https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/01/09/cambio-tem-primeiro-ano-sem-intervencoes-do-bc-desde-1999.ghtml 1/12

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