O governo brasileiro teme um recuo da União Europeia (UE) na reta final para a assinatura do acordo comercial com o Mercosul, negociado há 25 anos, segundo apurações da BBC News Brasil com fontes próximas às negociações.
A semana que vem será decisiva. O texto precisa ser aprovado em duas votações na Europa: uma no Parlamento Europeu e outra no Conselho Europeu, previstas entre terça (16) e quinta-feira (18).
Duas fontes com conhecimento direto das tratativas alertaram à BBC que, sem assinatura agora, as negociações podem acabar de vez. As chances de reabertura são quase zero, dise uma delas, prevendo que o Brasil, maior economia do bloco sul-americano, volte os olhos para a Ásia.
O que é o acordo e por que ele importa tanto?
Iniciado em 1999, o pacto cria uma área de livre-comércio entre Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia) e UE, com reduções recíprocas de tarifas sobre importações e exportações. Se entrar em vigor, formará uma das maiores zonas comerciais globais: 718 milhões de habitantes e um PIB combinado de US$ 22 trilhões.
Em 2024, a fase negocial terminou, mas restam etapas como a assinatura — que depende de aval europeu. No Parlamento Europeu, a aprovação é simples — maioria absoluta: metade mais um dos eurodeputados.
O obstáculo maior é o Conselho Europeu, que exige maioria qualificada: apoio de 15 dos 27 países, representando 65% da população do bloco (cerca de 451 milhões de habitantes).
Resistências na Europa e o papel da Itália
Há consenso no Mercosul pela assinatura, mas na UE há oposições. Países como Alemanha, Espanha, Portugal e República Checa apoiam o texto. Já França e Polônia lideram a resistência, temendo concorrência de produtos agropecuários sul-americanos para seus agricultores. Bélgica e Áustria também sinalizam contrariedade.
Para contornar isso, negociadores europeus aprovaram salvaguardas agrícolas no Comitê de Comércio Internacional da UE no início desta semana. Elas permitem suspender benefícios tarifários se as exportações do Mercosul subirem 5% em relação ao ano anterior. Essas medidas ainda vão à votação no Parlamento Europeu.
Diplomatas europeus consultados pela BBC apontam a Itália — com 59 milhões de habitantes, terceira maior população do bloco — como o “fiel da balança”. Cálculos da diplomacia brasileira e europeia indicam que uma rejeição italiana, somada à França e Polônia, alcançaria 36% da população da UE, inviabilizando o quorum.
Em 8 de dezembro, um diplomata italiano afirmou em reunião em Brasília apoiar o acordo, mas o clima segue cauteloso.
Dois pesos e duas medidas: a visão do Planalto
Um auxiliar da Presidência, em reserva à BBC News Brasil, classificou um possível recuo europeu como sinal de “fragilidade” das lideranças da UE. Ele argumenta que o pacto fortaleceria os blocos em meio a ataques ao multilateralismo, como os de Donald Trump.
O governo brasileiro critica a UE por aceitar um acordo “assimétrico” com os EUA — firmado em agosto, com redução de tarifas europeias e compras de petróleo, gás e defesa americanos —, enquanto hesita em um tratado equilibrado com o Mercosul.
Dados do governo mostram a guinada asiática já em curso: em 2025, a China comprou US$ 94 bilhões em produtos brasileiros, mais que o dobro dos US$ 45 bilhões da UE. Se o acordo fracassar, o Brasil intensificaria parcerias na região, concluem as fontes ouvidas pela BBC.
fonte:Por que o Brasil vê risco no acordo entre Mercosul e União Europeia?